A PULGA ATRÁS DA ORELHA!

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A PULGA ATRÁS DA ORELHA!

(CELSO NASCIMENTO)

Talvez esta expressão popular esteja presente na maioria esmagadora dos processos de criação e seguramente foi propulsora nos processos criativos desenvolvidos por um grupo de pacientes e terapeutas no Instituto ACASA no ano de 2015.

Quando fui convidado pelas terapeutas Ana Carolina Savani e Maria Rita Lorenzon para ajudá-las a realizar um Sarau não fazia ideia da potência criativa que habitava aquele território que as duas foram talhando ao final do expediente todas às quintas feiras. Já no primeiro encontro fui seduzido pela disponibilidade e envolvimento de seus participantes e mergulhei de cabeça no projeto.

Desde o início fomos criando conjuntamente em diversas linguagens artística (literatura, musica, artes plástica, vídeo, performance) de maneira não hierárquica entre as linguagens e os participantes. Nos encontros nos alimentávamos das mais diversas referências artísticas e depoimentos pessoais e criávamos com este material ou os resignificávamos.

O projeto foi além da nossa criação das quintas feiras e aproveitamos para fazer o lançamento de um “Sebo” de livros de uma das nossas pacientes, convidamos os grupos artísticos da ACASA para participarem do Sarau, as Oficinas e convidados de fora do Instituto.

No dia dezesseis de maio de dois mil e quinze realizamos o Sarau que foi divulgado nas redes sociais por flyers eletrônicos e vídeo produzido nos nossos encontros. Ocupamos todo o espaço do Instituto com a nossa produção artística e dos nossos parceiros e tivemos um público bastante significativo de pessoas que formam a comunidade do Instituto ACASA e pessoas de fora também.

O sucesso da nossa empreitada, associado ao convite para realizar o lançamento do Livro do Grupo da Culinária nos deixou novamente com a pulga atrás da orelha. Que fazer com isso? Quem somos? O que queremos com este grupo?

Estas perguntas nortearam nossas discussões em relação a continuidade do trabalho e o seu funcionamento. A maioria dos participantes do grupo chegaram a conclusão que não queríamos nos tornarmos um grupo de produção de eventos mas como aceitar o convite para o lançamento do livro? O que temos a oferecer para este projeto? O que o projeto tem a nos oferecer? Como estabelecer esta parceria?

Considerávamos a todo o instante a ligação afetiva com o Projeto do Livro acalentado há anos pela nossa colega Perpétua Medrado e o quanto era significativo para grande parte das pessoas do nosso grupo também. A questão era como ser parceiro nisso?

Após muita conversa, lá fomos nós. Criamos o grupo musical “Resignificando o Panelaço”, nome proposto por uma das participantes do nosso grupo. Faríamos uma apresentação cantando músicas brasileiras que o assunto fosse comida e nos acompanharíamos por utensílios de cozinha utilizados como instrumentos de percussão (panelas, caçarolas, garfos, espátulas, chocalhos confeccionados com latas de cerveja, galões, colheres, etc). Alguns destes instrumentos seriam disponibilizados no momento da apresentação para a plateia para quem quisesse interagir com as musicas.

Foi construído o espaço cênico “Cantando no Chuveiro” para as apresentações musicais em geral. Criamos uma luminária feita com ralador de queijos e um balde chuveiro usados nas roças até hoje no interior do país, pendurado na parede para formação deste cenário. Organizamos um vídeo que foi projetado durante a noite de autógrafo com imagens do grupo da culinária e a trilha sonora, uma colagem, com trechos de canções que a letra falasse de comida intermeado por um depoimento da cantora Clementina de Jesus dando uma receita de feijoada.

Tivemos uma noite de imensa alegria e pudemos participar em parceria de um projeto muito significativo para o Instituto ACASA. Pacientes, terapeutas, familiares, ex-pacientes, ex-terapeutas, muita gente, muitas histórias, ali dialogando e celebrando conosco. Foi lindo!!!!!!!

Como diria Tom Jobim: “minha musa é a encomenda”

Passado o êxtase da realização, lá estávamos nós. Sentados em uma quinta feira final de tarde, nos perguntado: E agora José que a festa acabou? Continuamos? Porque? Prá que? Qual o nosso desejo? Qual a pulga da vez?

Um dos dispositivos muito potentes em nosso primeiro projeto foram as releituras que um dos participantes do grupo estava fazendo com as obras do pintor Picasso na época e as expos no Sarau. Neste encontro de avaliação pós-projeto do livro ele nos externou o desejo de trabalhar com as obras de Van Gogh.

Dito isto, parece que as pinceladas viscerais do pintor se apossaram daquele espaço e mobilizou a todos a se relacionarem com sua obra, sua vida naquele momento. Um livro sobre Van Gogh apareceu na sala e todos mergulhados em suas histórias e expondo suas impressões. Não demorou muito para elegermos a vida e obra do pintor como nosso próximo dispositivo de criação, aliás, já era! Rapidamente sugeriram a Orelha de Van Gogh como o nome do projeto, o que logo foi complementado ficando “A Pulga Atrás da Orelha de Van Gogh”.

O grupo começava a ter um funcionamento mais claro com um núcleo sempre presente e outros participantes que flutuavam mais e assim as propostas também tinham seu desenvolvimento construído pelas possibilidades que o encontro oferecia. O acolhimento ou não das propostas não era definido pela continuidade, mas sim, pelo sentido que tinham para o assunto a ser trabalho no momento e ao dispositivo do projeto. Até que todo o material criativo seria recolhido, analisado, editado e organizado em forma de performance.

Após nove encontros de criação chegamos a uma performance envolvendo encenação, poesia, música e artes plásticas, todo o material de nossa autoria.

Encerramos assim o criativo ano de 2015 e sabendo que uma das mentoras do grupo Maria Rita não estaria mais conosco após aquele projeto.

Após assistir o vídeo da apresentação, ainda no meu período de férias, fiquei me questionando se repetir aquele trabalho em outros espaços faria sentido? Se sua potência não teria se esgotado ali? Se seria coerente para nossa proposta de trabalho continuar só porque foi bem aceito? Se sua grande realização não era o processo e não o produto?

Na volta das minhas férias levei estas questões ao grupo e após algumas discussões resolvemos não repetir a “Pulga” e realizar como novo projeto uma exposição dos quadros de uma das participantes que tinha desenvolvido uma produção intensa em sua TO. Depois de alguns encontros acolhemos a produção fotográfica de um novo participante dos nossos encontros expandindo assim a exposição que realizaremos em breve.

Este será meu ultimo projeto com este grupo, pois estou me despedindo do Instituto ACASA. Só tenho a agradecer a todos que se envolveram e acreditaram em nossa proposta de dar vazão a potencia artística que existe dentro da clínica e sua utilização com uma das maneiras de contribuir para o tratamento.

A todos com os quais pude conviver no Instituto nestes longos anos: MEU MUITO OBRIGADO!!!!!!!! Perpétua que me recebeu, não por acaso, me abre o espaço deste relato despedida.

QUE A PULGA DA CRIAÇÃO CONTINUE ATRÁS DA ORELHA DE TODOS.

Celso Nascimento

Musicoterapeuta