Recuperamos texto-entrevista com os diretores do Instituto A Casa

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OS FUNDADORES DA “A CASA” COMENTAM OS QUINZE ANOS DE EXPERIÊNCIA. 
 
Essa é a transcrição de uma entrevista realizada por Peter Pal Pelbart, filósofo, e Maurício Porto, psicanalista, terapeutas do hospital-dia do Instituto “A Casa”, com os fundadores Beatriz Aguirre, psicanalista, Nelson Luiz Magalhães Carrozzo, psiquiatra e psicanalista, Regina Márcia Rodrigues Von Atzingen, assistente social e Sonia Maria Leonardi Ferrari, terapeuta ocupacional, para a apresentação da instituição neste anuário. 
O hospital-dia “A Casa” foi fundado em 1979 e hoje é um departamento do Instituto do Desenvolvimento e Pesquisa da Saúde Mental e Psicossocial “A Casa”, que conta hoje com os demais departamentos: acompanhamento terapêutico, a “ República”, estagiários e cursos. 
 
PETER: Há uns quinze anos atrás havia uma espécie de consenso no movimento psiquiátrico sobre a questão da loucura. Quer dizer, sabia-se o que não se queria e contra o que se colocar no tratamento com os psicóticos. Se essa entrevista estivesse acontecendo naquela época que foi também a época da fundação do hospital-dia A CASA e nós resolvêssemos perguntar para vocês o que não se quer para um hospital-dia, mas sim,o que vocês queriam fazer, o que vocês responderiam com a experiência acumulada desde então? 
 
BEATRIZ: O que estava claro e era fundamental no tratamento das psicoses tinha a ver com as formas de relação com o paciente que eram muito diferentes, tanto das tradicionais psiquiátricas como das tradicionais psicanalíticas. Para mim, isso era básico, pois havia elementos que a gente tinha que introduzir nessa relação que não eram usados nem pelo psiquiatra, nem pelo psicanalista em geral, e que passavam por como você se aproxima do paciente, como você o recebe, o que você oferece. Fundamentalmente uma situação de acolhimento. Quando o paciente chega o que precisa, não é um diagnostico; não é uma situação onde ele precisa de alguém para observá-lo, para saber de seus sintomas, senão alguém que possa ficar muito próximo, não tendo medo do que está acontecendo com esse paciente. Seria proporcionar um meio adequado para que ele possa expressar seus medos , que tipo de sofrimento, que tipo de angústia, que tipo de delírio, enfim, que tipo de mundo ele vivia ou vive no momento do encontro. Porque o paciente em geral, vem de experiências analíticas ou psiquiátricas, com uma série de sistemas defensivos, para defender-se de um ataque ou da discriminação que se fez continuamente e que está representado, e para mim continua estando pelas instituições formalizadas, tanto analíticas como psiquiátricas. Porque o fato de ser analista não significa que você está livre dos preconceitos em se tratando da loucura e como tratá-la. Pelo lado da psiquiatria, não se acredita na cura, pois se acredita que só se possa tratá-lo com remédios, uma vez que a origem desses transtornos seria biológica: tais sintomas significam tais quadros, que podem ser medicados de tal maneira. Acho que aí se forma o quadro psiquiátrico nesse encontro psiquiatra-paciente, e de pronto se cria um paciente psiquiátrico com um destino marcado. E este vai sofrer com essa marca e dificilmente conseguirá sair dela e da etiqueta que lhe foi colocada. Também me reporto à psicanálise porque nessa época existia uma tendência em se tratar os pacientes psicóticos com os mesmos modos, as mesmas técnicas que se tratavam os neuróticos, sem perceber que o enfoque tinha que ser completamente outro, já que eram formas de estar no mundo absolutamente diferentes e que, portanto, não poderiam ter a mesma resposta, nem a mesma compreensão, nem a mesma intervenção. Para mim isso continua sendo a coisa básica, a coisa fundamental de nossa aproximação com as psicoses. É uma outra forma um encontro com o sujeito individual, particular, com suas características que chega iatrogenizado por todas essas coisas que falei antes; carregando uma doença agregada de fora. E vemos que com esse modo de aproximação até a possibilidade de modificação dos sintomas é importante. Não sendo tratado dessa maneira, o mais provável na enorme maioria dos casos é que continue sendo uma pessoa que não pode relacionar-se afetivamente, que não consegue cuidar de suas coisas, que não consegue aproximar-se. E aí surge uma questão interessante que é como o entendimento do diagnóstico para nós é visto de uma outra forma. Colocamos entre parênteses o diagnóstico inicial, abrindo espaço para a compreensão que se dá ao longo do processo terapêutico nos permitindo então chegar a um diagnóstico mais preciso. 

NELSON: Para mim talvez seja um pouco diferente. Eu tinha três anos de formado quando a gente começou e já havia terminado a residência médica, mas não tinha terminado a formação psicanalítica. Achava que era possível o tratamento de psicóticos em instituição e em grupos, mas essa era uma coisa que eu não sabia se era mesmo possível. Hoje posso dizer que é possível o tratamento de psicóticos em instituição usando a psicanálise como teoria de entendimento. Foi sendo possível ver como através da potência de uma instituição que valoriza o grupo, a gente vê esse psicótico poder ser tratado, ou seja, o grupo funcionando como essa instância de acolhimento e de sustentação para que esse psicótico possa ir construindo, a sua visão de mundo; uma nova visão de mundo que lhe permita sustentar-se depois de sua quebra, depois de anos de vivência psicótica, de vida quebrada, esquizofrenizada.A gente tem visto como os diferentes tipos de grupos na CASA podem dar possibilidade a esse psicótico de construir um entendimento para ele se agüentar sem tanto sofrimento, sem necessidade de tantas crises. Vejo hoje também a importância para o nosso trabalho de se entender a vida institucional; saber como olhar os grupos, não só os grupos de pacientes, mas também os grupos de terapeutas, ou seja, o grupo-equipe. Pude também perceber como para podermos trabalhar precisamos do grupo como sustentação, como uma instância de pensamento. Dá muita satisfação poder ver a possibilidade de criação tanto na vivência grupal dos pacientes quanto a possibilidade de criação do grupo-equipe. Outra coisa que deu pra ver foi a importância, o valor de se poder entender a vida institucional tendo como teoria de base a psicanálise; saber como olhar os grupos com essa teoria; não só os grupos dos pacientes mas também os grupos dos terapeutas, ou seja, poder também perceber que a gente para poder trabalhar também precisa dos grupos como sustentação, também precisa dos grupos como uma instância de pensamento para poder ter uma equipe. A vivência grupal da equipe foi e é muito importante como instância para a criação, simbolização e elaboração dos diversos dispositivos terapêuticos que fomos criando ao longo do tempo. 
 
MAURICIO: O que foi se modificando em termos práticos? 
 
NELSON: Lembro que quando começamos a tínhamos alguns tipos de grupos.Chegamos a fazer, por exemplo, grupos de medicação. Por que? Porque achávamos importante que os pacientes pudessem entender que medicação estavam tomando; pois a medicação também é importante para que eles consigam minimamente agüentar as angustias, os riscos que correm de vida, as agressividades. Posteriormente vimos que não era necessário, que existisse um grupo de medicação, pois esta pode ser lidada dentro dos outros grupos, por exemplo, nos grupos de psicoterapia, como mais um material a ser entendido e trabalhado. 
 
SONIA: Estava pensando que esses dispositivos foram mudando ao longo do tempo, mas acho que algo fundamental já tínhamos impresso em cada um de nós, apesar das formações diferentes e de diferentes experiências de trabalho com psicóticos .Também eu já tinha passado por hospitais fechados, hospitais-dia, alguns dentro das formas de funcionamento das instituições tradicionais e outros mais ousados em sua experimentação , mas que me deixaram a clareza de que o hospital- dia era a forma de se tratar psicóticos. O que trouxemos em cada um de nós, foi o desejo e a disponibilidade de oferecer vínculos de qualidade e intensidades diferentes. O que sempre esteve presente foi a forma como sempre colocamos os nossos corpos em jogo. Corpos que poderiam ser tocados, impressos, afetados, produzindo marcas nesses pacientes que íamos recebendo. Fomos criando os diferentes tipos de grupos, que foram constituindo uma forma de organização e de achar qual era a melhor forma de aproximação. O mais importante era a disponibilidade que tínhamos de estar junto, de suportar, sem que para isso oferecêssemos algo da ordem da maternagem. Tínhamos algo que era a mais, era diferente. 
 
MAURICIO: Como é essa diferença? 
 
SONIA: A diferença era que não oferecíamos só um espaço do vivenciar a loucura, suportá-la sem nenhum tipo de intervenção. O que oferecíamos era a possibilidade da expressão da loucura ser acompanhada de algum tipo de significação e a possibilidade de se entrar com algum registro simbólico. 
 
NELSON: Vemos que o acolhimento, a continência são uma parte. Fomos com o tempo aprimorando as possibilidades de intervenção. Num grupo de terapia ocupacional utilizamos intervenções que nós chamamos de ações interpretativas, que apesar de não serem verbais produzem o efeito de uma interpretação.Nos grupos de fotografia, ainda que dentro da necessidade de funcionar de forma muito precisa que não admita mudanças na ordem do processo, (fotografar primeiro, depois revelar, ampliar e assim por diante) é aí uma vez aceita esta norma, que se abrem múltiplas possibilidades de criação e vivências. Desta forma conseguimos juntar na mesma atividade diferentes formas de expressão que apontam à elaboração dos conflitos.Ainda em relação às diferenças de intervenção vejo que construímos nos grupos de psicoterapia um lugar onde todo o material produzido nos outros grupos é re-trabalhado na direção da construção de sentido.  
 
BEATRIZ: Precisamos dizer que essas diferenças das formas de intervenção da equipe foram motivo de muita discussão e também de saídas de participantes daquele primeiro grupo que se reunia antes da fundação do hospital-dia. 
 
MAURICIO: Como foi esse primeiro momento? 
 
BEATRIZ: Era um grupo de discussão que tinha o objetivo de fundar um hospital-dia. Convidávamos colegas que tivessem interessados nessas idéias para nossas reuniões semanais. Discutimos durante dois anos o que seria esse trabalho: a necessidade ou não da análise individual durante esse processo de tratamento, a importância dos grupos e da terapia familiar e o tipo de função do terapeuta nesses lugares. Uma discussão muito forte e muito intensa sobre a possibilidade de circulação dos terapeutas na instituição porque alguns colegas muito ortodoxos, não aceitavam essas idéias, como por exemplo : quem atendia a família não podia ter nenhum tipo de contato com os pacientes. As pessoas foram saindo na medida em que tinha um grupo que continuava sustentando uma idéia diferente.Nossa colocação era que a partir do lugar transferencial que cada um ocupava, podiam ser feitas diferentes intervenções, seja de falar, tocar, abraçar, brigar por um paciente separando o da família, fazer a terapia familiar, enfim todas essas possibilidades de intervenção que cada terapeuta a partir de suas características, experiências, desejos e especificidade de formação podia sustentar. Ficamos em oito pessoas de um grupo que chegou a ter vinte, vinte cinco pessoas. Hoje vejo que nós inventamos um tipo de grupo onde os psicóticos podem ser tratados.Quero assim esclarecer que o fato de um psicótico estar em grupo não garante que esse seja um lugar de tratamento.Depende do entendimento do que significa um grupo, de como se coordena esse grupo, das formas de intervenção…. É uma maneira de pensar o grupo bastante diferente. 
 
MAURICIO: A gente pensou que levando em conta essa bagagem psicanalítica que está no sangue de cada um me parece que vale a pena esclarecer melhor como que são esses grupos funcionando. Porque eu acho que há um conflito em tentar formular ou teorizar e como falar do sentido que tem a grupalidade dentro do trabalho sem incorrer numa espécie de, ou psicanálise em serie, ou uma alternativa mais econômica. Parece que vocês têm a idéia do grupo como um potencial terapêutico especifico e suficiente. É uma questão que achei que vale a pena fazer aparecer. 
 
BEATRIZ: Para que isso fique mais claro, nós usamos como teoria de compreensão da subjetividade a teoria psicanalítica; mas acho que estamos atravessados por uma serie de outros campos que não só o campo psicanalítico, em si , o “puro” campo psicanalítico. Nós achamos que a psicanálise está atravessada e incorpora o interesse pelo sócio-político-cultural. Assim teríamos um outro tipo de aproximação, não pensando o paciente como uma coisa separada da sociedade isolado dentro do consultório ou em instituições, afastado desse acontecer social. Tem uma série de autores que tratam dessa questão que nos marcaram como, Foucault, Guatarri, Deleuze, Cannetti, e muitos outros que observaram, estudaram a história da loucura e o lugar que esta ocupava e ocupa na sociedade. Acho que um analista que está separado do mundo externo, que vive numa redoma de cristal, nunca poderia fazer esse tipo de trabalho que a gente faz, ainda que usando a teoria psicanalítica como referencia. É muito claro como a escuta se modifica totalmente quando você se permite estar imerso nessa sociedade onde todos sofremos pressões de diferentes formas e de diferentes maneiras, um paciente ainda muito mais, desde a repressão familiar até a repressão da sociedade e das instituições em geral.Eu acho que isso diferencia a nossa escuta do que seria uma forma “ tradicional”, nos permitindo intervenções que fazem o delírio do paciente se modificar às vezes até num prazo curto de tempo. Essa influência sócio-política-cultural é tão importante que o conteúdo do delírio tem se modificado. O delírio místico era muito mais freqüente há quinze anos atrás, que historicamente é um tempo curtíssimo.Víamos também naquela época a quantidade de pacientes homens que eram trazidos para serem tratados e como as mulheres eram trazidas, mas prontamente abandonavam o tratamento, tiradas pelos seus pais. Moças que ficariam trancadas em suas casas, para que não saíssem pela cidade. Uma diferença claramente direcionada à repressão da sexualidade.Hoje vejo que não existe essa diferença tão marcada o que tem a ver com um movimento social de transformação da cristalização dos lugares do homem e da mulher, o que produz um efeito na possibilidade de tratamento. 
 
MAURICIO: Um bom psicanalista pode fazer isso individualmente, no seu consultório e não dar conta. Acho de alguma possibilidade a mais a grupalidade traria… você faz isso no seu consultório? 
 
BEATRIZ: No meu consultório eu faço, mas quando meu paciente tem momentos de crise muito agudos, eu peço ajuda à instituição. Acho que tem uma diferença importante, não é porque sim, é porque eu vejo o efeito que isso causa no paciente: a possibilidade de outras transferências, de diferentes tipos de vínculos e não tudo isso necessariamente colocado em um pessoa só.Temos então o caudal transferencial de um paciente colocado em diferentes tipos de relações lhe possibilitando depositar seus fantasmas, suas imagens, permitindo que eu possa trabalhar de meu lugar de uma forma muito mais tranqüila, muito mais cuidada, o que seria o núcleo, o centro da questão: a tentativa de uma certa simbolização do surto nesse determinado momento. 
 
PETER: Eu queria fazer uma pergunta com a maior ingenuidade simulada. Afinal, por que grupos? 
 
NELSON: Deixe-me ver se consigo responder. São perguntas que ainda foram pouco respondidas, acho que a literatura tem ajudado pouco. Por que os grupos para psicóticos? E o que são esses grupos com psicóticos? Tomemos como exemplo, uma família que é um grupo primário. Quando alguém está em surto, tem conteúdos psicóticos que estão circulando, que ficam mais evidente nas horas de crise, é quando você pode escutar cada um dos membros falando da sua verdade. É aí no processo terapêutico, que aparece a insuportabilidade da convivência com as diferenças dessas verdades. O que tentamos é a construção de uma outra coisa, ou seja, nessas famílias muito psicóticas, muito simbióticas, a verdade de cada um é destruidora da do outro. Elas têm uma concretude, uma violência, tão grande que a fala do pai invalida a do filho, que só pode responder com uma violência equivalente. O que tentamos é fazer com que essas verdades possam se compor. Transladando o exemplo para um grupo de terapia ocupacional, é como se tentássemos fazer um desenho em conjunto. Cada um começa a colocar seu desenho que muitas vezes passa por cima do desenho do outro, mancha, invade, borra de vermelho… O que o grupo consegue em momentos do seu processo é que cada um possa ver sua verdade expressa sem que ela fique invalidada pela verdade do outro. Cada um pode ter a vivência que sua verdade é expressa e que todas têm lugar.Voltando para o trabalho familiar, é como se cada um fosse se sentindo menos ameaçado pelo outro, ou seja, é como se a simbiose fosse perdendo sua destrutibilidade. Não digo que seja possível sair da simbiose de um momento para outro. Mas não é mais necessário que alguém precise ficar numa posição louca ou em um não lugar. Acho que o trabalho com nossos grupos está muito ligado a isso. O trabalho nos grupos de psicoterapia tem quase a mesma concretude daquele desenho, daquela “borração” do grupo de terapia ocupacional. O terapeuta e todo grupo tem que fazer seu processo dar conta de que as concretudes se transformem em alguma simbolização. 
 
BEATRIZ: Sempre me ocorre a idéia do grupo como um “tour de force” que fazemos com os pacientes: colocar o psicótico de entrada, em algo que resulta muito complicado para ele que é a convivência nesse social que eu estava falando antes. Suportar o outro, agüentar o outro, se enfrentar com a presença desse outro o tempo todo como semelhante; que não começa como um semelhante, mas como sendo a presença de um objeto que não lhe interessa,como por exemplo é comum que espere que o outro pare de falar para ele retomar a sua fala.É isso que vai sendo trabalhado nos grupos, o paciente como que muito forçado a abrir espaços para a entrada de um terceiro. Seria o começo da possibilidade de uma certa triangulação. Dentro de um grupo podem se formar diferentes triângulos e isso é muito importante pelo desconhecimento que o psicótico tem da estrutura edípica, isso em diferentes níveis já que o tamanho da forclusão não é igual para todos os psicóticos. Então o grupo permite essa experimentação permanente próxima de uma experiência edípica pelas possibilidades de triangulação apoiadas na transferência. Fazemos junto com ele uma construção do que Lacan chama de metáfora delirante, o que implica um certo grau de castração que vai permitindo o caminho de alguma simbolização. 
 
NELSON: Acho que tudo isso que estamos falando está relacionado à potência que o grupo tem de incentivar as transferências trazendo neste caso algo a mais que a analise individual.  
 
SONIA: Lembrando que o trabalho de um grupo não é um processo linear, mas algo que vai se constituindo ao longo do tempo a partir de produções individuais dentro do grupo, sem que já exista alguma troca. 
 
NELSON: Mas é um tempo necessário nesse processo… 
 
SONIA: É um tempo necessário no processo, constitutivo do vínculo, onde o terapeuta investe na criação de um campo de expressão para o paciente, é um momento de reasseguramento, quando é possível que se experimente o fazer junto, tanto com o terapeuta como com outros integrantes do grupo, mantendo a individuação. 
 
BEATRIZ: Na verdade, é o momento onde pode se reconhecer e se ver reconhecido. 
 
SONIA: Sim, e que apesar de haver uma transformação, cada um sabe o que é de cada um, como cada um participou, quais suas marcas que ficaram impressas naquela produção grupal. Uma produção que já não tem aquelas marcas da destruição nem do individualismo que impossibilita a troca.  
 
PETER: Então deixe-me colocar agora uma pergunta que tem tudo a ver com isso que vocês estão falando sobre a multiplicidade grupal que existe na instituição. Existe uma multiplicidade muito grande, não só de possibilidades de contato, mas também de possibilidade de enquadre e de linguagens muito diferentes, e essa abundância extrapola e muito qualquer possibilidade de uma filtragem única. Então, como lidar com essa abundância? 
 
BEATRIZ: Eu não consigo imaginar que seja de outra maneira. Pensar como fazemos, qual o lugar dessa pessoa desse sujeito psíquico particular, onde as carências e vicissitudes de sua vida, sua subjetividade de seu corpo, estão apontando a diferentes registros, diferentes níveis, que muitas vezes não dá para nomear.Encontro de uma singularidade muito especial, no espaço e no tempo, produções que aparecem mais como acontecimentos, mais leves e mais soltos. Acho que tem a mesma função de apontar de um modo mais indireto, não pensado ou dirigido, mas que tem grande importância na formação de sua subjetividade, dessa nova, que precisa de múltiplos elementos para poder constituir-se. Todos esses caminhos, essas vias laterais e transversais que se cruzam, apontam algo que é da ordem da vida.  
 
MAURICIO: Nesse momento queria perguntar que com essa ordem de acontecimentos de vida , que energia primitiva atravessa uma equipe que trabalha numa instituição de tratamento de psicóticos? O que se faz com esse inevitável primitivo, indiscriminação e simbiose necessários de serem sustentados? 
 
NELSON: Sem dúvida é um esforço complicadíssimo. É um esforço em direções opostas, de sustentação desse primário, e por outro lado um esforço de secundarização. Quando penso como a casa cresceu, se transformou num instituto com tantos departamentos, e continua viva e crescendo após quinze anos, isso está apoiado nas nossas supervisões, nas nossas análises pessoais e institucionais, nas nossas teorizações… Por outro lado, também nos acompanhamos nas nossas possibilidades e necessidades de vivência do que é da ordem dos afetos, dos ódios, dos amores. E sabemos como sofremos uma quebra na nossa potência de trabalho quando a possibilidade desejante da equipe está enfraquecida. Quando o desejo não circula.